Publicamos um texto de Ilídio Araújo, arquitecto paisagista, natural de Celorico de Basto, autor de inúmeros projectos ligados às quintas, palácios e jardins botânicos em Portugal.
Publicou diversas obras de relevo, das quais se destaca a “Arte paisagista e arte dos jardins de Portugal”. Desempenhou as funções de Secretário de Estado do Ordenamento Físico e Ambiente no VI Governo Constitucional.
Publicou diversas obras de relevo, das quais se destaca a “Arte paisagista e arte dos jardins de Portugal”. Desempenhou as funções de Secretário de Estado do Ordenamento Físico e Ambiente no VI Governo Constitucional.
Jardins de Basto *
"A nenhum viajante apreciador das belezas da Arte e da Natureza passará despercebido, ao atravessar a região de Basto, o carácter peculiar dos jardins que frequentemente se deixam adivinhar por detrás dos muros que guardam dos olhares devassadores do transeunte os recatados quintais dos seus solares armoriados.
Nos terraços desses quintais, os tabuleiros de plantação quase desaparecem afogados por uma profusão de esculturas verdes, em que, a par de algumas curiosas formas geométricas talhadas em buxos, teixos, camélias e cedros do Buçaco, aparecem, por vezes empoleiradas nelas, outras de feitio zoomórfico estilizado, em composições plásticas de um efeito com seu quê de estranho e maravilhoso.
Em Portugal, nos jardins formais traçados em obediência a uma tradição renascentista, sejam antigos ou modernos, a preocupação da composição vegetal, com arbustos talhados em formas geométricas, visa apenas, em geral, a assinalar certos pontos da composição dos elementos «superfície», feita à base de banquetas de buxo. Nos jardins de Basto, ao contrário, o que adquire lugar preponderante na composição são todas aquelas esculturas verdes, arcos, abóbadas, casas de fresco..., e as banquetas de buxo como que se limitam a definir os canteiros em que se dispõe mais ou menos harmonicamente essa exuberante escultura e arquitectura vegetal, e, simultaneamente, a debruar os carreiros e arruamentos.
No resto do País, a «escultura» verde anima a superfície do jardim; em Basto, domina-a completamente.
A escultura vegetal transborda frequentemente para fora dos quintais (sejam jardins exclusivamente recreativos, ou simples hortas ajardinadas - caso mais característico) e vão aparecer em elementos isolados ou em grupos nos terreiros ou em outros logradouros anexos à casa.
Estas composições constituem, como regra, criações artísticas de carácter popular, raramente submetidas àquela disciplina que caracteriza a arte de jardinagem erudita. Por vezes, as formas talhadas apresentam rara nobreza de proporções e distribuem-se em conjuntos de patente equilíbrio de massas e volumes.
Os exemplos mais curiosos desta arte são os que se deparam junto às casas: do Campo, em Molares; do Prado, em Britelo; de Pielas, em Painzela; da Boavista, em Veade; da Igreja, em Mondim; da Gandarela, em S. Clemente; da Igreja, no Corgo; do Telhô, em Arnoia... Com menos interesse, deparam-se manifestações semelhantes em outras casas, como as: de St.º Antonino, Alvação e Lamas, em Alvite; de Toiande e do Casal, em Arnoia; do Souto, em S. Clemente; do Cabo, em Agunchos; dos Machados, em Atei; da Cruz e Balouta, em Gagos; da Granja, em Ribas; do Atalho, em Mondim...
Recordam-nos estes jardins, outros que estiveram muito em voga em Inglaterra até o fim do séc. XVII e de que existem ainda exemplares famosos, como os de Hampton Court, Levens Hall, Earlshall, e outros. A tradição destes jardins conservou-se, aliás, em Inglaterra, até aos nossos dias, nos pequenos jardins provincianos sem quaisquer pretensões eruditas: Daí provém a natural pergunta:
- Como teriam vindo surgir aqui, neste escondido rincão de Basto, uns seus émulos lusitanos?
Estes jardins de Basto estão, todos eles, ligados a casas brasonadas, construídas nos sécs. XVIII e XIX. Só uma ou outra apresentará na sua estrutura algum pedaço de parede de tempos anteriores. Os jardins não são de certeza mais antigos. Apenas no da casa do Campo se notam reminiscências de um jardim mais antigo, que não será, contudo, anterior ao final do séc. XVII.
A tradição das «esculturas verdes» é, porém, mais recente. Talvez date dos meados do séc. XIX, parecendo ter sido para aqui trazida por duas senhoras que passaram a sua juventude e fizeram a sua educação em Inglaterra: D. Emília Ermelinda Ferreira Pinto Basto e sua irmã, D. Justina, sobrinhas de João Ferreira Pinto Basto, – agente da Companhia das Vinhas do Alto Douro, em Londres, no princípio do séc. XIX – em cuja companhia viveram. A mais velha, D. Justina Praxedes (que nasceu em 1809), veio a casar com Teodoro de Carvalho e Almeida, senhor da casa de Pielas, e aí faleceu em 1905.
Sua Irmã, D. Emília Ermelinda (nascida em 1818), casou com José Pinto Dá Mesquita, senhor das Casas da Igreja, em S. Romão do Corgo, e do Prado, em Britelo.
Foram essas senhoras que orientaram o ajardinamento das quintas das casas em que passaram a viver depois do seu casamento, elas mesmas instruindo continuamente os seus hortelões sobre aquilo que queriam que elas fizessem.
D. Emília, segundo consta, recolheu em sua casa, de S. Romão, o pequeno Manuel Joaquim Alves Soares, de 3 anos de idade, a quem mais tarde fez aprender desenho no Porto, vindo a ser o seu jardineiro, e tronco de uma verdadeira dinastia de jardineiros a quem se devem praticamente todos os jardins de Basto. Sucedeu-lhe na arte seu filho Joaquim Alves Soares, que viveu em Fermil e foi o pai da actual geração de jardineiros, que já vão exercendo a sua profissão noutras terras.
Das casas de Pielas, Prado e S. Romão, a novel arte na região de Basto alastrou a outras casas senhoriais dos arredores, impondo-se agora que pessoas com a sensibilidade artística daquelas senhoras impeçam que uma tradição tão interessante venha a degenerar nas aberrações que começam já a surgir aqui e além."
* Texto de Ilídio Alves Araújo
In Guia de Portugal, Entre Douro e Minho,
Fundação Calouste Gulbenkian
Nos terraços desses quintais, os tabuleiros de plantação quase desaparecem afogados por uma profusão de esculturas verdes, em que, a par de algumas curiosas formas geométricas talhadas em buxos, teixos, camélias e cedros do Buçaco, aparecem, por vezes empoleiradas nelas, outras de feitio zoomórfico estilizado, em composições plásticas de um efeito com seu quê de estranho e maravilhoso.
Em Portugal, nos jardins formais traçados em obediência a uma tradição renascentista, sejam antigos ou modernos, a preocupação da composição vegetal, com arbustos talhados em formas geométricas, visa apenas, em geral, a assinalar certos pontos da composição dos elementos «superfície», feita à base de banquetas de buxo. Nos jardins de Basto, ao contrário, o que adquire lugar preponderante na composição são todas aquelas esculturas verdes, arcos, abóbadas, casas de fresco..., e as banquetas de buxo como que se limitam a definir os canteiros em que se dispõe mais ou menos harmonicamente essa exuberante escultura e arquitectura vegetal, e, simultaneamente, a debruar os carreiros e arruamentos.
No resto do País, a «escultura» verde anima a superfície do jardim; em Basto, domina-a completamente.
A escultura vegetal transborda frequentemente para fora dos quintais (sejam jardins exclusivamente recreativos, ou simples hortas ajardinadas - caso mais característico) e vão aparecer em elementos isolados ou em grupos nos terreiros ou em outros logradouros anexos à casa.
Estas composições constituem, como regra, criações artísticas de carácter popular, raramente submetidas àquela disciplina que caracteriza a arte de jardinagem erudita. Por vezes, as formas talhadas apresentam rara nobreza de proporções e distribuem-se em conjuntos de patente equilíbrio de massas e volumes.
Os exemplos mais curiosos desta arte são os que se deparam junto às casas: do Campo, em Molares; do Prado, em Britelo; de Pielas, em Painzela; da Boavista, em Veade; da Igreja, em Mondim; da Gandarela, em S. Clemente; da Igreja, no Corgo; do Telhô, em Arnoia... Com menos interesse, deparam-se manifestações semelhantes em outras casas, como as: de St.º Antonino, Alvação e Lamas, em Alvite; de Toiande e do Casal, em Arnoia; do Souto, em S. Clemente; do Cabo, em Agunchos; dos Machados, em Atei; da Cruz e Balouta, em Gagos; da Granja, em Ribas; do Atalho, em Mondim...
Recordam-nos estes jardins, outros que estiveram muito em voga em Inglaterra até o fim do séc. XVII e de que existem ainda exemplares famosos, como os de Hampton Court, Levens Hall, Earlshall, e outros. A tradição destes jardins conservou-se, aliás, em Inglaterra, até aos nossos dias, nos pequenos jardins provincianos sem quaisquer pretensões eruditas: Daí provém a natural pergunta:
- Como teriam vindo surgir aqui, neste escondido rincão de Basto, uns seus émulos lusitanos?
Estes jardins de Basto estão, todos eles, ligados a casas brasonadas, construídas nos sécs. XVIII e XIX. Só uma ou outra apresentará na sua estrutura algum pedaço de parede de tempos anteriores. Os jardins não são de certeza mais antigos. Apenas no da casa do Campo se notam reminiscências de um jardim mais antigo, que não será, contudo, anterior ao final do séc. XVII.
A tradição das «esculturas verdes» é, porém, mais recente. Talvez date dos meados do séc. XIX, parecendo ter sido para aqui trazida por duas senhoras que passaram a sua juventude e fizeram a sua educação em Inglaterra: D. Emília Ermelinda Ferreira Pinto Basto e sua irmã, D. Justina, sobrinhas de João Ferreira Pinto Basto, – agente da Companhia das Vinhas do Alto Douro, em Londres, no princípio do séc. XIX – em cuja companhia viveram. A mais velha, D. Justina Praxedes (que nasceu em 1809), veio a casar com Teodoro de Carvalho e Almeida, senhor da casa de Pielas, e aí faleceu em 1905.
Sua Irmã, D. Emília Ermelinda (nascida em 1818), casou com José Pinto Dá Mesquita, senhor das Casas da Igreja, em S. Romão do Corgo, e do Prado, em Britelo.
Foram essas senhoras que orientaram o ajardinamento das quintas das casas em que passaram a viver depois do seu casamento, elas mesmas instruindo continuamente os seus hortelões sobre aquilo que queriam que elas fizessem.
D. Emília, segundo consta, recolheu em sua casa, de S. Romão, o pequeno Manuel Joaquim Alves Soares, de 3 anos de idade, a quem mais tarde fez aprender desenho no Porto, vindo a ser o seu jardineiro, e tronco de uma verdadeira dinastia de jardineiros a quem se devem praticamente todos os jardins de Basto. Sucedeu-lhe na arte seu filho Joaquim Alves Soares, que viveu em Fermil e foi o pai da actual geração de jardineiros, que já vão exercendo a sua profissão noutras terras.
Das casas de Pielas, Prado e S. Romão, a novel arte na região de Basto alastrou a outras casas senhoriais dos arredores, impondo-se agora que pessoas com a sensibilidade artística daquelas senhoras impeçam que uma tradição tão interessante venha a degenerar nas aberrações que começam já a surgir aqui e além."
* Texto de Ilídio Alves Araújo
In Guia de Portugal, Entre Douro e Minho,
Fundação Calouste Gulbenkian